tag:blogger.com,1999:blog-72061167611205692882024-03-12T19:03:58.879-07:00Casa do QuengoRafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.comBlogger38125tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-60507728936134223102013-08-18T13:19:00.001-07:002013-08-18T13:19:56.885-07:00Sobre idas e vindasDepois de tanto tempo, reapareço! Volto com o desejo de permanecer...
A falta de tempo (ou o mais perverso, o discurso da falta de tempo), a loucura do cotidiano que nos afasta de nós. Sim, porque acredito que a escrita nos aproxima daquilo que realmente somos, ou, no mínimo, vai dando cor e forma ao âmago tão desconhecido.
Pois bem, é isso que me move. Quero continuar por aqui: escrevendo e escrevendo-me!
Até mais!Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-19113694332507531922011-06-25T19:37:00.000-07:002011-06-25T19:43:05.379-07:00A Máquina IISó para cumprir a palavra, a série continua... e acaba aqui!<br /><br />Você que se perguntou: será que a autora estava pensando nessas coisas na hora de escrever o seu livro ou será que isso tudo é viagem de professor. Aí vão algumas reflexões para movimentar estas ideias e ventilar novos ares na área!<br /><br />Os autores, no geral, não são criaturas mágicas que surgem da noite pro dia ou que brotam de cogumelos gigantes em chamas na Babilônia. São mulheres e homens indubitavelmente interpelados pelo seu tempo. Mikhail Bakhtin, um teórico russo bem importante, nos lembra que as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios da vida humana. É percorrendo as marcas desses fios entrelaçados num todo estético – a obra – que interessa pensar na maneira como o texto representa a condição brasileira na literatura. Sobre isso, um outro teórico chamado João Almino escreveu:<br /><br />O escritor, fiel a sua própria subjetividade, não poderá deixar de ser homem ou mulher de seu tempo e de sua terra, o que legitima a análise do contexto de suas obras. Colocando-as umas ao lado das outras, o ensaísta literário pode vislumbrar a teia cultural e o chão histórico que as une, considerando válido organizá-las e comentá-las segundo critérios histórico-sociais e estéticos, mesmo que esses critérios não tenham consciente ou explicitamente guiado os poetas e ficcionistas no momento da criação.<br /><br />Viu só, cara/o amiga/o! Mesmo quando não queremos somos capazes de revelar as marcas do nosso tempo, já que é ele que nos constitui. Quando chegamos ao mundo, ele já estava funcionando há muito tempo. Nós somos inseridos numa lógica que está presente na forma de pensar e de nos relacionar. Isso não significa, porém, que somos marionetes da História, robôs que agem sem pensar. Significa que as nossas relações são marcadas pela História, da qual nós também somos agentes.<br /><br />Assim, vemos na obra de Falcão um choque entre o atraso, o arcaico, simbolizado por Nordestina, uma cidadezinha do interior que sequer encontra lugar no mapa; e o progresso, a modernidade, representado pela metrópole, o Rio de Janeiro. <br />Nordestina, “lugarzinho sem futuro”, é o lugar do qual todos estão indo ou já foram embora (“Nordestina se dividia entre os que estavam indo embora de lá, os que estavam preocupados com isso e Antônio, que não estava indo embora mas também não estava nem aí”). <br /><br />Antônio, personagem principal, além de ser o menino do café, o número 19 da folha de pagamento da prefeitura, o filho mais velho de dona Nazaré, é uma espécie de operário das sobras dos que partem de Nordestina, restos que simbolizam as sombras dos antigos habitantes. Em sua oficina encontram-se os mais diversos trastes, os quais Antônio conserta sem saber para que nem para quem. Por isso mesmo ele parece ser o único que resiste em sair da cidade. Ele preserva esses objetos como que para preservar a memória do povo e para garantir a sobrevivência de Nordestina. Será?<br />Abraço e boa leitura!Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-24591950650388608252011-05-15T13:51:00.000-07:002011-05-15T13:54:41.325-07:00A última borboleta<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/-rHf_QncSUXs/TdA9i2iUIdI/AAAAAAAAAIY/hx5tqwO0kes/s1600/borboletas_1941.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 226px;" src="http://2.bp.blogspot.com/-rHf_QncSUXs/TdA9i2iUIdI/AAAAAAAAAIY/hx5tqwO0kes/s320/borboletas_1941.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5607049205040554450" /></a><br />A última borboleta voou<br />Saiu girando em espirais<br />Sinuosa num vôo leve e seguro<br />Vôo de quem sabe o alcance das asas,<br />De quem tem a destreza da liberdade<br />De quem sente o cheiro-norte da flor<br /><br />Hordas de miseráveis a seguiam<br />Buscando caminhos<br />Crendo num destino seguro<br />Iam cegos, guiados pela borboleta solitária<br />Que ignorava o choro e o ranger dos dentes<br />Que só pensava em voar, em girar<br />Como rodas gigantes e moinhos<br /><br />Hordas de miseráveis em fúria<br />Abandonando o mundo vazio<br />De flores-garrafas-pneus<br />E sementes de podridão<br />Que se multiplicam<br />Em terrenos baldios.<br /><br />Outrora a borboleta pairava<br />Sobre as águas borbulhantes do aterro<br />Tornava a tragédia bela<br />Estetizava o feio numa perversa ternura<br />Entre fome, tristeza e crua esperança.<br /><br />Pousada na lata amassada<br />Compôs um belo quadro do lixo<br />Cores vivas contrastando como cinza<br />Que cheirava a morte e destruição<br />Levantou vôo e foi buscar novas cores<br />Novos ares, aromas, amores<br />Seguida pela multidão cega e triste<br />Que sonha com um mundo<br />Colorido de borboletas...Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-91913008769367154152011-05-09T11:47:00.000-07:002011-05-09T12:02:44.896-07:00A Máquina I<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/-HNhGZh3wLZo/Tcg6KxkQ0iI/AAAAAAAAAIQ/7-dOa8cSysE/s1600/maq.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 184px; height: 274px;" src="http://2.bp.blogspot.com/-HNhGZh3wLZo/Tcg6KxkQ0iI/AAAAAAAAAIQ/7-dOa8cSysE/s320/maq.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5604793693041119778" /></a><br />A máquina I<br />A leitura do romance de Adriana Falcão recomendada aos meus alunos motivou-me a começar uma série de postagens com algumas reflexões que podem ajudar a esclarecer, a levantar questionamentos, a suscitar embates intelectuais, emocionais, de ordens diversas. Espero que as postagens sirvam para enriquecer o debate.<br /><br />A obra de Adriana Falcão, de 1999, interessa-me especialmente por dois pontos. O primeiro deles recai sobre um dilema estruturante das narrativas latino-americanas – a dialética do atraso e do progresso, do arcaico e do moderno, do local e do universal, que, a meu ver, no romance é claramente ilustrado. O segundo ponto trata do que Guy Debord chamou “sociedade do espetáculo”, inevitavelmente ligado aos conceitos de mercadoria e fetichismo.<br /><br />Dessa forma, os textos que se seguirão estarão versando sobre esses pontos, na esperança de que faça da leitura dA máquina um espaço de diálogo, reflexão e atitude diante da vida.<br />Abraço e felicidades!<br /><br /><span style="font-weight:bold;">A migração às avessas</span><br /><br />Visto superficialmente A Máquina pode parecer, à primeira vista, uma divertida e inocente fábula sobre o amor e o tempo. No entanto, se nos permitirmos uma visada mais demorada e mais analítica, notaremos questões mais profundas e problemáticas merecedoras de um justo debate.<br /><br />O romance trata da aventura de Antônio no intento de ir buscar o mundo para dar de presente para Karina, por quem é apaixonado. Esse mote é narrado a partir de uma voz aparentemente distanciada que fala do que um tempo “longe que só a gota”, no qual os personagens vivem suas peripécias.<br /><br />Antônio possui uma relação bastante peculiar com o tempo. Uma proximidade que, inclusive, serve como estratégia para a realização da missão a que se propõe. Essa intimidade de Antônio com o tempo gera a coexistência de temporalidades – presente, passado e futuro – fato que adquire um valor simbólico peculiar sob nossa ótica. Em estudo de 1973, intitulado Literatura e subdesenvolvimento, Antonio Candido, um crítico literário de grande importância em nossas letras, afirma que a coexistência do atraso e do progresso são marcas da história latino-americana. Trata-se de um atraso causado pela condição extrema de dependência econômica, política, mas também literária, cultural. Dessa maneira, a eficácia estética dos textos deixa entrever as marcas dessa dialética no trabalho operado pelos autores, enredados inevitavelmente numa dinâmica histórica que passa a ser internalizada na obra, tornando-se igualmente interna, constitutiva da fatura do texto. Ou seja, no trabalho artístico pode-se perceber questões que influenciam diretamente no nosso modo de viver e de perceber o real.<br /><br />Assim, quando o romance de Adriana Falcão traz a simultaneidade de planos temporais, parece-nos uma dica de que também entre nós, na materialidade de nossas experiências sociais, também parece haver a coexistência de tempos, de realidades históricas, que apontam fundamentalmente para a nossa complexa história formativa. Basta lembrar que o Brasil surge num contexto de expansão de uma lógica que dá curso ao que hoje chamamos capitalismo, mas para isso precisa se valer de práticas arcaicas como o latifúndio e a escravidão. Isso quer dizer que para o mundo avançasse era necessário que outros mundos amargassem o atraso, a exploração. Essa é a nossa história.<br /> <br />E você deve estar se perguntando o que é que tudo isso tem a ver com A Máquina? Ou será que a Adriana Falcão estava pensando nessas coisas na hora de escrever seu livro? Vejamos nos próximos debates...<br />Abraço, companheiros!Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-3808861155915697152011-05-09T11:41:00.000-07:002011-05-09T11:46:30.956-07:00Reflexões sobre Educação<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/-ukxp6EyL_0A/Tcg2dMO84nI/AAAAAAAAAII/Hr2MOgSf9wQ/s1600/escola.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="http://3.bp.blogspot.com/-ukxp6EyL_0A/Tcg2dMO84nI/AAAAAAAAAII/Hr2MOgSf9wQ/s320/escola.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5604789611390624370" /></a><br /><br />Tenho afirmado, sem medo das conseqüências, que a educação pública brasileira passa por uma verdadeira crise. Pessimismo à parte, considero que um momento de crise é sempre importante para a evolução. É, como a etimologia já indica, momento de decisão, de mudança. As atrocidades que vemos e ouvimos diariamente são o grito desesperado de uma instituição carente de profundas transformações, de alterações significativas no sentido de fazer com que ela volte a ter significado. Sim, porque o que se nota é que a escola precisa ser ressignificada, precisa repensar o seu papel num mundo cujos valores destoam dos modelos nos quais a maioria de nós fomos formados. <br />Os professores há muito não representam autoridade. Pelo contrário, parecem cambaleantes nesse entrelugar, misto de psicólogo, de conselheiro tutelar, de policial, de pai e mãe, quando estes faltam em suas vidas. Os discursos professorais que, quando o puro vigor pedagógico falhava, se utilizavam das provas e recuperações como instrumentos de barganha, de negociata, agora soam frágeis diante de uma educação facilitadora que se esforça apenas em comprovar com índices e tabelas a redução das retenções nas escolas de todo o país. Estatísticas que escamoteiam a real condição de um sujeito que vê diante de si uma função de 2º grau sem sequer reconhecer as operações essenciais, impossibilitado de redigir um texto simples contando sua história de privação e exclusão. E essa história precisa ser contada...<br />Falo de realidades de sala de aula que tenho acompanhado onde os professores se sentem frustrados por não conseguirem, apesar de tanto empenho, um espaço de diálogo, um momento de atenção, um lampejo de curiosidade. Não aquela curiosidade que nos deixa meio desconsertados e nos força a estudar mais para surpreendê-los, mas perguntas, ainda que primárias, que demonstrem o mínimo de vitalidade. Vitalidade que lhes foi roubada por uma escola, produto de uma história de exclusão e privilégios, que mortifica dia a dia os sujeitos amontoados e distribuídos entre projetos que, como promoções-imperdíveis-tipo-casas-bahia, prometem aceleração, progressão e sucesso e só promovem atraso, deficiências e obstáculos. É quase impossível que alunos que, magicamente, pulam da 5º série para o Ensino Médio acompanhem o processo e logrem êxito, posto que as habilidades e competências necessárias para aquele momento da vida foram rabiscados de sua lista, agora transformada numa interminável relação de preconceitos e discriminações a serem enfrentadas.<br />Faço também deste texto um espaço de homenagem às professoras e professores que se embrenham na estrada sinuosa da sala de aula, que reinventam a cada dia o seu jeito de ensinar e aprendem com esses abalos. Homenageio não por simples elogio ao mérito, mas porque diariamente eles demonstram o que é coragem, esperança e dão pistas de como mudar a realidade.<br />O fato é que há uma série de questões a serem enfrentadas: o aluno desinteressado, numa escola desinteressante, com professores desmotivados, é levado ao fracasso; os alunos pouco interessados numa escola que pouco lhes proporciona como espaço de crescimento é, muitas vezes, arrastado pela mediocridade reinante de uma lógica minimalista; o aluno empenhado, com desejo de crescer e de enfrentar sua exclusão, em detrimento da escola e dos professores que possui é um milagre. E, embora eu acredite em milagres, prefiro a vivência da religiosidade que diz “o Reino é aqui; é o agora”, que entende que a luta é parte necessária do processo. É enfrentando a realidade que damos o primeiro passo na direção da mudança. De minha parte, estou lutando o bom combate e me empenho em fazer chegar o mais longe que puder as vozes silenciadas pela lógica da exclusão, da marginalização, do desdém do poder público, pois como questiona Drummond, “posso sem armas revoltar-me?”. Sim, podemos!Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-82512660669550706182011-02-23T11:41:00.000-08:002011-02-23T11:48:39.226-08:00Irmãos...Olá,<br />Depois de tanto tempo sem postar, dou seguimento ao projeto de um poema-para-cada-irmão. Como tenho muitos irmãos, quando terminar terei já uma antologia. Assim seja!<br />Abraços,<br />Rafael.<br /><br />III<br /><br />Soneto<br /><br />Em seu rosto as cicatrizes denunciam<br />Os quinze anos que teimam em não passar,<br />Juventude perene diluída<br />Num copo pendente na mesa do bar<br /><br />Bebe para equilibrar-se na vida<br />Para entrever no fundo do seu copo<br />O caos escondido no fundo do peito<br /><br />Como se cada gole da bebida<br />Lhe restabelecesse a juventude<br />Lhe inventasse um mundo mais perfeito<br /><br />Ama sem saber palavras de amor<br />Trancafiado na imaturidade<br />Seu breve sorriso é quase um clamor<br />De um menino buscando a felicidade.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-11238530823835108542011-02-23T11:32:00.001-08:002011-02-23T11:36:58.961-08:00"E era a vida e a vida era gaiola..."<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/-EnzRsNSrkE0/TWVhWjSRC0I/AAAAAAAAAIA/maI1L1toQeo/s1600/gaiola.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 208px; height: 320px;" src="http://3.bp.blogspot.com/-EnzRsNSrkE0/TWVhWjSRC0I/AAAAAAAAAIA/maI1L1toQeo/s320/gaiola.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5576970753625099074" /></a><br />Aos meus novos alunos<br /><br />Hoje cedo debatia com meus alunos um poema de uma autora chamada Maria do Carmo de Melo. O poema, intitulado A gaiola, falava da condição do sujeito encerrado nas tantas gaiolas que cerceiam a liberdade do homem. Das gaiolas transmutadas em alianças, em muros, em preconceitos, em impostos, em rotinas, em “tabuletas dizendo é proibido”. Gaiolas tais e tantas que transformam o sujeito em marionete, em um robô de “coração trancado a cadeado”, sem espaço para o inefável, para o sonho, a evasão e o sentimento, reificados e descartáveis como é próprio das coisas. Lembrei do poema de Marçal Aquino com sua “puta mais velha da vila”, que morre solitária em sua casa depois de uma vida inteira marcada por grandes homens (senadores, diplomatas, magnatas); sozinha, pois sabia que um domingo cercada de marido e filhos era também uma prisão. A coragem da personagem de Marçal Aquino tão invejada por milhares de mulheres encerradas em suas gaiolas, por vezes de luxo, denuncia a prisão a que diversas relações se reduzem com o passar do tempo, movidos pelo medo da solidão, da rejeição, do próprio medo, fazemos redomas e encerramos o outro na ilusão de estarmos livres, quando na verdade “guardamos desertos” dentro de nós.<br />Lembrei-me também da mulher-passarinho do conto de Marina Colasanti que, encerrada numa gaiola, recebia os cuidados constantes do marido que tanto a amava, que lhe trocava o jornal, lhe trazia água e que, no fim do dia, carinhosamente lhe jogava um pano por cima da gaiola para lhe trazer a noite. Uma dia a portinhola se rompe e a mulher empreende novos vôos, busca outros ares, e lembra sem saudade do tempo da escravidão. <br />O poema da minha aula, embora fale todo e qualquer ser humano atado aos grilhões sociais e reduzidos a atividades, rotinas, conceitos, preconceitos, trouxe-me as dores e angústias das mulheres que, ao lado das crianças, sempre foram as maiores vítimas das diversas faces das gaiolas, disfarçadas em preceitos e princípios, em leis e juramentos, em costumes e crenças. Impossível não pensar na “Gaiola das Popozudas”, chefiada por uma mulher que se crendo livre e dona do seu corpo tem se transformado numa bunda itinerante, que se vende em nome de uma libertação sexual tão falaciosa quanto o volume que carrega em suas costas. Mulheres de Atenas ou do Complexo do Alemão, de Brasília ou do Pará, seguem rompendo suas gaiolas silenciosamente enquanto outras se trancam sem a devida consciência dos seus atos. E como todos nós sabemos, o canto de dentro da gaiola sempre soa mais triste, posto que melancólico, com saudade de voar.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-80095493861646304182011-01-18T16:35:00.000-08:002011-01-18T16:42:18.175-08:00Irmãos...<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TTYzYBqZ3OI/AAAAAAAAAH0/cZfs1-mrVyA/s1600/maos%2Bdadas.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 286px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TTYzYBqZ3OI/AAAAAAAAAH0/cZfs1-mrVyA/s320/maos%2Bdadas.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5563690877518994658" /></a><br />Há tempos venho querendo realizar um pequeno projeto: escrever uma poesia para cada um dos meus irmãos. Uma espécie de homenagem. Muito embora reconheça que os meus caminhos pela poesia não são os mais frondosos, teimo e insisto. De qualquer forma, começo a por em ação. Dedico os poemas que virão a cada um dos meus cinco irmãos, parceiros que dividem comigo a árdua tarefa de existir num mundo tão cheio de competições e de violência. Neles encontro o apoio para enfrentar as duras batalhas que surgem pelo caminho. E mesmo sem ficar declarando isso em voz alta entre nós, sabemos e reconhecemos o valor de ser irmãos, juntos nas adversidades e felizes nas realizações. É isso aí, com o meu amor, Rafael.<br /><br /><br /><br />I<br /><br />Foste sempre<br />Um bom filho<br />Para um pai medíocre<br /> – Um pai pródigo de filho bom –<br />Filho terno<br />Para mãe forte<br /><br />Sempre justo em suas atitudes<br />Nunca foste criança<br />Nasceste homem, homem maduro<br />E pronto para enfrentar tua sina<br /><br />Sentado no sofá<br />Chorava quando o pai ameaçava ir embora<br />Era cúmplice da mãe castigada pela sandice do algoz<br />Era pai quando o pai se negava o lugar que a fortuna lhe predestinou<br />E insistia em soltar pipa e jogar biloca e em correr pelo mundo a fora<br />Para esquecer o peso de sua vida de adulto<br />Para achar que não estava só.<br /><br />Sentiu desde sempre<br />A dor de cuidar dos outros<br />E a consolar quando também lhe rebentavam as fibras<br />Mas isso te fez forte <br />e hoje o mundo gira como um pião na palma da mão calejada<br /><br />A vida que embrutece<br />O sofrimento que endurece<br />Pelo contrário<br />Só te fizeram mais lacrimoso<br />E de teus olhos jorram sangue, suor e saudade<br />Em tua marmita carregava o amor de uma mãe corajosa<br /><br />Traz em ti o cheiro de capim-santo<br />Pão das três, bolinho de chuva,<br />Cheiro verde, chuva caindo serena<br />Generosa no dever de espalhar a vida<br /><br />Teus braços se abrem para o infinito<br />Buscando as respostas de um tempo perdido<br />Esperas sentado numa janela de vidro<br />O instante de ver um futuro bonito<br /><br />Futuro que vem consertar o passado<br />Passado interdito pelo bom sofrimento<br />Marcado que foi pelos cortes do tempo<br />Esperas de dentro de um sonho o Esquisito <br />A ventura que vem com o sopro do vento...<br /><br /><br />II<br /><br />Não sei ao certo quanto tempo se passou<br />Entre o menino de outrora e o pai de agora<br /><br />Embalando a filha com a mão no seu rosto<br />Ensaiando os gestos do reconhecimento<br /><br />Decorando as marcas de um ser tão diverso<br />Que de dentro de si emergiu num momento<br /><br />Ainda te vejo criança pequena<br />Tartamudeios e cacos de uma fala confusa<br /><br />Correndo entre outros, desobedecendo<br />Os limites que em vão te mostravam os dedos<br /><br />Da feição infantil e das brincadeiras<br />Nada se foi com a aventura do tempo<br /><br />Permanece infante e festeiro e menino<br />Mas sente pesar o pesar de ser herói<br /><br />Um herói que não viu a passagem das horas<br />Que não sabe o tamanho e o temor das tormentas<br /><br />Que dança de dia para espantar os fantasmas<br />Que foge para não responder as perguntas<br /><br />Que insistem em burlar a censura<br />Das frágeis comportas do seu sentimento<br /><br />Dos medos que coleciona na gaveta pequena<br />Está o de ter que crescer num repente<br /><br />E trair os sonhos que um dia plantou<br />E que inda hoje não são mais que sementes.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-34426385375549041112011-01-03T09:54:00.000-08:002011-01-03T09:56:06.036-08:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TSINq3zNlpI/AAAAAAAAAHk/TU5CHNd_nMM/s1600/salto_alto.gif"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 317px; height: 320px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TSINq3zNlpI/AAAAAAAAAHk/TU5CHNd_nMM/s320/salto_alto.gif" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5558019920313030290" /></a><br />Vestida de seda,<br />De chita, organdi<br />Branqueia a paisagem,<br /> - Pálida Elvira.<br />*<br />Helena, Carlota,<br />Lolita, Ester.<br />Seu ser se reveste<br />Se trocas de veste,<br />És uma sereia.<br />Persona: mulher.<br />*<br />Poeta maldito,<br />Perdestes o siso,<br />Nem sabes teu nome<br />Mal sabes o que quer.<br /><br />Te lembro de pronto<br />Tal qual Mefistófeles<br />Teu nome é Werther,<br />Destino: morrer.<br />*<br />Cavalga indeciso<br />Qual redemoinho:<br />“lançaste feitiço<br />Pra dentro de mim?”<br /><br />Caiu tua máscara,<br />Embuste, falácia.<br />Te vejo cá dentro,<br />És Diadorim”.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-60384884262854248052010-12-21T19:44:00.000-08:002010-12-21T19:45:59.512-08:00Semente de gente-quando-morreE trazia consigo<br />Estampado no rosto<br />Algo entre a dor e a melancolia<br />Como se soubesse, se cresse<br />Que estar no mundo lhe era um favor concedido<br />A vida lhe negava o gosto<br />De ver o pleno da aurora<br />Andava como se aos outros incomodasse<br />E suportava como um Jó<br />Toda dor que lacerava<br /><br />Sentia falta de quê?<br />De tudo que não sabia<br />Daquilo que não vivera<br />E sonhava inutilmente<br />Com um mundo coberto de sonhos<br />Com um mundo coberto de sempres<br />Com um mundo coberto de mundos<br />Com um mundo prenhe de tempos<br /><br />Um palhaço sem graça e sem laço<br />Sem nariz colorido e sem passo<br />Ensaiado para roubar um sorriso<br /><br />Tudo lhe era falta<br />Uma ausência que lhe preenchia<br />Como o tumor que lhe crescia no de-dentro<br />Roubando-lhe a vida, embora medíocre, lampejo de vida;<br />Faísca de gente, embora baço; <br />Esboço de homem, embora sem nome.<br /><br />José, Severino, Augusto, Raimundo quem sabe<br />Nordestinamente desafiando as certezas,<br />Querendo ser forte,<br />Antes de tudo, forte<br />Carrega no ombro com toda destreza<br />A dor de ter dor no momento da morte...<br /><br />Deitado em seu novo leito<br />A terra o abriga<br /><br />Terra-casa, terra-amiga<br />lhe planta pra ver se agora amadura<br />ele que nunca saiu da semente<br />e o povo vai ver entre crente e descrente<br />um palhaço brotando do chão da amargura<br />um palhaço, um homem, um bicho-semente...Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-82472541062333803672010-12-05T09:43:00.001-08:002010-12-14T03:16:01.580-08:00Os inimigos são outros, muitos outros...<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TPvPbUNCcBI/AAAAAAAAAHY/lCjiHUcvf3s/s1600/tropa_de_elite_2.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 300px; height: 300px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TPvPbUNCcBI/AAAAAAAAAHY/lCjiHUcvf3s/s320/tropa_de_elite_2.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5547255434223710226" /></a><br />Confesso que fui assistir ao filme Tropa de Elite 2 meio a contragosto. Tinha muito receio do esquema simplificador que reduziu o primeiro filme a uma tola brincadeirinha de polícia e ladrão, com direito ao maniqueísmo mais raso que segregava os incorruptíveis soldados do BOPE de um lado, e os bandidos-que-deveriam-mesmo-morrer do outro. Assustou-me ver e ouvir pessoas aplaudindo os balaços que espalhavam massa encefálica a ponto de respingar no espectador. Lembro-me dos versos de Drummond: <br /><br /><span style="font-style:italic;">“Há no país uma legenda,<br />que ladrão se mata com tiro”</span><br /><br />É possível perceber um desejo de crítica no Primeiro Tropa de Elite (os “burgueses”, a passeata, o roteiro da droga etc). Essas questões, no entanto, são quase que apagadas ou neutralizadas diante de peripécias de segunda ordem que compõem o corpo do filme. Para minha felicidade, o segundo filme chega a quase anular o anterior. Sua construção, do roteiro à qualidade das imagens, traz intrínseco o desejo de perturbar, de derrocar estruturas e, sobretudo, de complexificar problemas tão graves quantos esses que assolam todo o país. Eis o meu maior elogio ao filme: a sua capacidade de querer aprofundar o debate, de demonstrar que o crime no Brasil é uma questão que envolve todos – desde o traficante ao policial, que algumas vezes se confundem, passando pelos governantes, e principalmente por conseguir fazê-lo de forma asfixiante, angustiada, pessimista.<br /><br />Sim, porque acredito que o pessimismo é importante e mesmo necessário em alguns momentos da vida. É preciso se sentir encalacrado, sem saída, como o José drummondiano, para perseguir formas de enfrentamento. Acredito que Topa de Elite 2 vale a pena por isso. Precisamos discutir o crime sem os vícios deterministas que enxergam apenas desvios de caráter. Há que se questionar sobre quem ajuda a produzir diariamente os bandidos e marginais, categorias que não necessariamente dizem a mesma coisa; sobre o papel da polícia, sobre educação, qualidade de vida, emprego e salário dignos, pontos elementares para se pensar na integridade do sujeito, para que os discursos humanitários não sejam confundidos com mera verborragia para encobrir bandido. É necessário oferecer condições reais para que o homem seja íntegro. E isso só se faz enxergando os problemas de forma sistêmica, compreendendo que “é preciso toda uma tribo para salvar uma criança.” É uma pena que no Brasil a consciência sempre venha acompanhada do mal-estar. É isso!Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-64311274915504826252010-11-16T13:33:00.000-08:002010-11-16T13:35:33.313-08:00Ser preto, com todo direito de sê-loO debate acerca da questão racial no Brasil parece ter enfrentado uma certa neutralização nos últimos tempos. Isso porque uma negra protagonizou a novela das oito, nas prateleiras dos supermercados pode-se encontrar xampu para cabelos crespos ou hidratante para pele negra, o cabelo “black power” aparece num personagem de seriado juvenil; somado a isso no panorama mundial vê-se um presidente negro à frente da maior potência e a copa do mundo encontrou a África de Mandela. Tudo isso parece demonstrar o aluir das barreiras enfrentadas pelos negros e a queda da discriminação racial, um belíssimo porém frágil discurso. O fato de ser negro estar na moda não significa definitivamente que a questão está resolvida. Ocorre que o mundo da lógica capitalista transforma tudo (em velocidade exorbitante) em mercadoria, inclusive todas as lutas, por isso mesmo se vende uma idéia falaciosa de que a diversidade constituinte do povo brasileiro apaga as diferenças de cor, de credo e de grupo social. Na verdade, a coisa não mudou muito. Passado o furor inicial da implementação do sistema de cotas para negros, restou a fala resignada de um preconceito velado que ainda afirma que as cotas reforçam o preconceito e segregam ainda mais. Certo dia um aluno, durante o debate sobre o tema, discordou das cotas por afirmar que o livro que o branco lê é o mesmo que o do negro, por isso ambos teriam as mesmas chances. Preocupou-me grandemente tal juízo vindo de um aluno do ensino superior, sobretudo por demonstrar uma legítima ignorância histórica e por estar viciado pelos discursos de catedráticos que enxergam gráficos e planilhas e desconhecem o estigma, o rótulo, o peso insuportável das forças históricas. Por mais pop que possa parecer a moda afro, a indústria de chapinhas ainda lucra com o embranquecimento da sociedade, que uniformiza cabelos e ideologias de uma legião de pessoas cujo orgulho foi abalado pelos olhares enviesados dos que condenam o cabelo sarará. Para protagonizar a novela do horário nobre, a moça tem que estar ancorada ao casamento com um branco bem sucedido como que para legitimar o seu lugar. Mas eles continuam teimando em aparecer, vestidos de empregados ou no tão clichê personagem sambista, malandro, fanfarrão. Quero dizer com isso que levará ainda bastante tempo para que a diversidade seja respeitada e admitida socialmente em todas as esferas, e acrescento ainda que falta comunhão com a questão do negro. Sim, porque se fecho os olhos e me disponho a complexificar a ótica do mundo administrado, posso ouvir o som do chicote que estala e gira em “doidas espirais” regendo a dança do navio negreiro, posso ver as marcas do castigo e as mãos escalavradas que levaram no braço séculos de uma economia arcaica que sustentava a elite branca e privilegiada. Nessa comunhão todo brasileiro é negro e toda dor de um é a de todos. Por isso uso o cabelo solto e não me envergonho quando dizem que ele é duro, e não tenho medo de me chamar de negro, preto, crioulo. Axé!Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-46381525371030378112010-11-07T14:46:00.000-08:002010-11-07T15:15:36.917-08:00Coisas de pai<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TNczEiT-s0I/AAAAAAAAAHQ/XCfJTl5HtR0/s1600/papel.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 203px; height: 149px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TNczEiT-s0I/AAAAAAAAAHQ/XCfJTl5HtR0/s320/papel.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5536950419898413890" /></a><br /><br /><br />Ao Seu Marcelo<br /><br />“Eu te odeio! Quero que você morra!” Disse e bateu forte a porta atrás de si. Trancada e atirada à cama entre prantos e desejos de vingança, pensava em uma forma de punir seu pai. Queria ser mais livre, menos triste por ter quinze anos e não fazer “o que lhe desse na telha”. “Fala sério, odeio tudo isso!”. Seus quinze anos não permitiam que ela enxergasse todo um jogo de poderes, de medos e de perversos amores que regem a relação pai e filhos. Olhava em todos os quatro cantos do quarto à procura de algo que servisse à sua ira. Desejava que o pai morresse; melhor, que ela morresse, para que ele se sentisse culpado, constrangido, amargurado, com remorso e aos poucos definhasse e encontrasse enfim a morte, após uma lenta e dolorosa pena de dias, ou talvez semanas.<br />Lembrou-se das palavras duras, das proibições e os nãos iam e vinham ziguezagueando em sua mente, desenhando parábolas que viravam água e sal. Odiava o jeito com que lhe tratava, sentia como se suas mãos crescessem e lhe esmagassem, como se extermina um pernilongo irritante.<br />Seu olhar fixou o quadro de fotos dependurado na parede. Seus sorrisos com amigos, com o cachorro, com o pai. Num ímpeto levantou-se e retirou a foto ignorando os pequenos imãs coloridos voando pelo quarto. Picotou em exatos oito pedaços como se pudesse fazê-lo sentir o ódio do seu gesto. Abriu a porta da sua masmorra e lançou na sala os braços, abraços, caras e cenário distribuídos cada qual no espaço de um rasgo. Bateu a porta novamente. Chorou e dormiu desejando o fim do dia, da vida, do mundo. Acordou com os olhos inchados e abriu uma fresta. Viu a sala vazia e lentamente foi caminhando em direção à porta. Antes de dobrar o corredor pode ver em cima da mesa a foto colada num papel. Os quadradinhos juntavam-se de novo formando um mosaico da inteireza de outrora, abaixo os seguintes escritos: “Minha filha, dessa vez eu ainda consegui colar, mas chegará um dia em que não estarei mais presente para juntar nossas vidas. Espero que a nossa história não seja construída de remendos e pedaços mal colados. Meu amor de pai... sempre”.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-583075723991609942010-11-07T14:38:00.000-08:002010-11-07T14:46:05.519-08:00Um feliz retorno...<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TNcsJP73BQI/AAAAAAAAAGo/Wouj3KUuuF8/s1600/SAM_1803.JPG"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 240px; height: 320px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TNcsJP73BQI/AAAAAAAAAGo/Wouj3KUuuF8/s320/SAM_1803.JPG" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5536942804283360514" /></a><br /><br />Quando eu pensei em criar o blog, acreditei, como todos os coutros companheiros dessa empreitada (também compartilhada pela amiga Ellen), que conseguiria escrever e postar todos os dias, ou pelo menos toda semana. Mas como vocês podem notar, a frequência é de um texto por semestre. Não me orgulho disso, mas também tenho uma justificativa: nos últimos meses tenho vivido num limbo, escrevendo coisas específicas de uma pesquisa específica e isso tem me sugado. Dizem que os homens não engravidam, mas essa escritura representa uma gestação, e das complicadas!<br />Agora, estou tentando manter uma regularidade. Tenho tantas coisas na cabeça, tantos projetos, tantos textos planejados. Espero que se materializem!<br />Até breve!Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-78102053987488476892010-06-09T12:00:00.000-07:002010-06-09T12:01:48.707-07:00Paisagens enviesadas<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TA_lFGvkcHI/AAAAAAAAAGY/EddEJg3Ng9Q/s1600/urbs.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 201px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TA_lFGvkcHI/AAAAAAAAAGY/EddEJg3Ng9Q/s320/urbs.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5480851147405422706" /></a><br />Sol de meio-dia<br />Véspera de feriado<br />Estudantes em disparada<br /><br />Um homem brinca<br />Com uma lagarta<br />Suas doze patas<br />Suas doces pancadas<br /><br />Trabalho pesado<br />Suor e cimento<br />De cima do prédio<br />Se vê o bandido<br />Da bolsa ficou<br />O espelho quebrado<br />Batom, documento<br />Dobraram a esquina<br />Restou o hematoma<br />E um triste lamento<br /><br />O homem devolve<br />A lagarta ferida<br />Planta acolhedora<br />A casa bendita<br /><br />Fechouo sinal<br />Fecha-se o vidro<br />Balas, chicletes e panos de prato<br />Quem foi o culpado<br />Quem é o inimigo.<br /><br />Na espuma do cuspe<br />Desfaz-se em segundos<br />Na lata amassada<br />Um último gole<br />Formiga de sorte<br />É teu latifúndio.<br /><br />O grito desperta<br />A criança dormindo<br />O grito liberta<br />O homem caindo<br />Seu sangue empoçado.<br />Estava faminto.<br /><br />O ponteiro paralisa<br />A fila do banco.<br />A filha do meio<br />Na escola primária<br />Num banco esquecida<br />Pergunta ao porteiro<br />Quem é que conhece<br />O sentido da vida.<br /><br />Questão tão profunda<br />Esquece esse troço.<br />Brinca solitária<br />Joga amarelinha.<br /><br />Uma dona-de-casa<br /> Xícara sem asa<br /> A calha entupida<br /><br />O pai ocupado<br /> Trabalho dobrado<br /> Esquece a maleta<br /><br />O filho caçula<br /> A marca da agulha<br /> Tomou seu veneno<br /><br />Sol do meio-dia<br />Depois do feriado<br />Estudantes em disparada<br /><br />Um homem procura<br />A sua lagarta<br />Remexe entre as folhas<br />Perversa ternura<br /><br />Em cima do prédio<br />Ensaiando a queda<br />Um homem de terno<br />Em vão se pergunta:<br /><br />Quem é dentre os homens<br />Ou sábios ou ricos<br />Quem é que conhece<br />O sentido da vida.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-77615561223612039072010-06-09T11:54:00.000-07:002010-06-09T11:56:55.390-07:00Leituras I<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TA_j4fDCeMI/AAAAAAAAAGQ/hv-re1K4rnI/s1600/leitura1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 289px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/TA_j4fDCeMI/AAAAAAAAAGQ/hv-re1K4rnI/s320/leitura1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5480849831079606466" /></a><br />Sempre comento com meus alunos uma teoria, às vezes bem contestada, de que não existe realmente quem não goste de ler. Existem, sim, pessoas que não tiveram uma experiência efetiva com a leitura. Essas são pessoas que tiveram negado o seu direito de ser leitores e de vivenciar o que somente a dimensão da inventividade pode proporcionar.<br />Falo isso porque guardo ainda na lembrança duas das histórias que me iniciaram no caminho da leitura. A professora (típica professora Helena, com o mesmo tom meigo e carinhoso de todas as professoras do primário, saião até o joelho, óculos grandes e coque no alto da cabeça, fazendo com que qualquer possibilidade de desejo infantil fosse exterminada) nos levava uma vez por semana para a biblioteca e pedia que cada um de nós escolhessemos um livro, dentro os quais ela selecionaria um para ler para todos em “voz alta” e “mostrando as figuras”.<br />As várias estórias passeavam por entre nós, selecionávamos a cor, os desenhos, os sonhos que se figuravam por entre as páginas de formatos, tamanhos e linhas diferentes. Um dia escolhi a história do “Barba Azul”. O livro fala de um marinheiro (?) muito rico e poderoso que se casa com uma mocinha humilde e de bom coração. Depois do matrimônio, ele precisa viajar e lhe entrega um molho de chaves para que cuide da casa, alertando que, de todas as portas, uma, apenas uma jamais poderia ser aberta. Claro que, como boa mulher, ela desobedece e acaba se deparando com uma cena horrível – encontra os corpos das falecidas esposas que a antecederam. A chave acaba caindo no chão e fica manchada de sangue. Aliás, um sangue “mágico” que não se apaga. Ela limpa, esfrega, mas o sangue não sai denunciando a sua desobediência e curiosidade. Até que o Barba Azul chega da viagem e...<br />Não me lembro muito bem o fim moralizante que dera a minha professorinha para a história, a lição do texto, mas consigo lembrar-me perfeitamente das expressões que ela fazia querendo criar atmosfera de suspense, dobrando vagarosamente as páginas do livro para nos revelar a imagem, lendo pausadamente preocupando-se com os ouvintes pequeninos. Lembro-me da cara de espantados que ficávamos todos em volta da professora, do medo que fiquei do Barba Azul e da vontade de ajudar a pobre moça que, dentro em pouco, seria lançada ao quarto proibido para se juntar às ex-esposas desafortunadas. Lembro também nitidamente do desenho que fiz ao final da história. Sim, todos tínhamos que fazer uma ilustração sobre a história, que depois era colada como no mural criativo de bordas de borracha coloridas. Virginiano, com ascendente em gêmeos e lua em sagitário, desenhava com todo esmero na tentativa de colecionar elogios e estrelinhas. Pintava e cuidava do meu Barba Azul e de sua esposa infeliz.<br />De tudo o mais fantástico era como aquele momento de leitura se transfigurava num mundo lúdico e paralelo em que nós, meninos de alma entregue, conseguíamos interagir com os personagens, com o narrador, adentrávamos o espaço-tempo da narrativa e dialogávamos com a ficção. Éramos leitores exercendo o direito de sê-lo.<br />A outra história que me ficou foi a da “Casa Sonolenta”, em que a vovó dorme, o neto dorme, o cachorro e o gato dormem, a pulga dorme... Esse texto funcionava para mim como um mantra. Somente anos depois foi que descobri que no fim a casa também dorme. Nós sempre dormíamos no meio da contação e sonhávamos com vovós, netos, cães e gatos e pulgas bem acordados sedentos por estripulias imaginativas.<br />Quando penso nesses dias passados e na doce leitura da doce professora, recordo o início de uma caminhada. Ali, eu sentia que realidade e ficção eram duas faces de uma mesma existência, que com o passar da idade vão se distanciando, mas que nascem juntas fundadas no milagre da criação permanente do universo. Sinto agora que o meu discurso se misturou ao da professorinha carismática.<br />Por isso mesmo, olho com alegria a sobrinha de um ano e poucos meses que já sabe o que é ler, mesmo sem conhecer a palavra escrita. Ela lê o mundo, os gestos, as fagulhas de pirlimpimpim que estão o tempo todo suspensos no ar. Ela só confirma o que Paulo Freire nos dizia em suas tão belas e libertadoras palavras. Ela só dá continuidade a um mundo que há de permanecer: recheado de homens e mulheres quixotescos, que lutam contra os moinhos-gigantes que aparecem nos reinos tão, tão, tão distantes...Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-65981387156371950052010-02-21T16:41:00.000-08:002010-02-21T16:45:39.392-08:00Crônica de triste fim<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S4HS9qOd3vI/AAAAAAAAAGI/y9V41Y7U8tE/s1600-h/sangue.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 268px; height: 297px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S4HS9qOd3vI/AAAAAAAAAGI/y9V41Y7U8tE/s320/sangue.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5440861781589090034" /></a><br /><br />A Alcides Lins<br /><br />As lágrimas ainda rolavam de seu rosto. Em pouco tempo cessariam dando vez a uma secura absoluta, pontiaguda, como a dor mais profunda que se pode conceber – dor de mãe que perde o filho. Um filho Imperador, entre gigantes e moinhos, lutando contra a força impiedosa da miséria, da desigualdade de oportunidades que divide a sociedade. Morto a balas em frente à casa humilde da catadora de lixo, sua mãe, que fechando os olhos relembrava a felicidade de ver o filho ser primeiro. O primeiro nome da lista, ignorando os determinismos de cor, de classe, de endereço, desafiando olhares de repúdio e desconfiança, dos que se sentem ameaçados pela pobreza, incômoda como um soco no estômago. <br />Sentada em frente à janela, ela questiona o tempo, como se tentasse imaginar o que aconteceria se ele tivesse chegado em casa cinco minutos antes ou depois. Desejou que ele tivesse perdido o ônibus, ou qualquer sorte de empecilhos lhe tivesse atrasado a chegada. Impossível saber – o tempo devora. Sentada à janela, ela espera e espera pelo filho que não virá. Que se foi sem ser pródigo, sem renegar a família, as terras, a fortuna, que sequer teve tempo de aproveitar a vida, pois “estatelado ao relento/perdeu a pressa que tinha” de viver.<br />Impedido de escrever o epílogo de sua história, deixou capítulos de grandeza quixotesca, escritos à boa pena, consciente da luta digna do dia. Em casa, a mãe, buarquianamente, arruma o quarto do filho que já morreu, vivendo doridamente o revés do parto. As irmãs desviam do olhar da mãe, mas comungam da dor imensa, dobrando a camiseta ainda jogada sobre o cesto, recolhendo os livros marcados de cujas anotações avulta o espírito sonhador do imperador. Os vizinhos fecham as janelas e escrevem cartazes pedindo justiça. Pela internet, milhares de pessoas acompanham sua história de triste fim, em silêncio profundo como quem tenta dar significado a tamanha barbaria.<br />Numa casa de periferia, à meia-noite, alguém escreve para não chorar a história “deste filho de meu pai”, reconhecendo nela a sua própria história, de desfecho diferente, por enquanto e quem sabe por quanto tempo. Meu minuto de silêncio.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-6938825302394842462010-01-13T18:33:00.001-08:002010-01-13T18:36:04.442-08:00O elefante c'est moi<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S06CmTaJGWI/AAAAAAAAAFc/mMhnDqT-RJk/s1600-h/remendos.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 240px; height: 238px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S06CmTaJGWI/AAAAAAAAAFc/mMhnDqT-RJk/s320/remendos.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5426418195584588130" /></a><br /><br />Busco quem compreenda meus fragmentos<br />Os pedaços de mim espalhados pelo vento<br />Como bolhas de sabão em meio a um vendaval<br />Porque sou fragmento<br />E vivo tentando costurar os pedaços de vida<br />E saio mambembe com as linhas penduradas<br />Denunciando o coser amador<br /><br />Cansei de tentar ser completo<br />E hoje duvido da integridade<br />Por isso busco quem me queira aos pedaços<br />Recolhendo-me e montando o que pode ser montado<br />O que não foi perdido<br />Ou, por querer, esquecido.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-5586823282314990202010-01-13T18:11:00.000-08:002010-01-13T18:13:26.523-08:00A canção "particular" de Maria Gadú<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S059kaDVe9I/AAAAAAAAAFU/eXE1FJkSpxQ/s1600-h/mariagadu.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 319px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S059kaDVe9I/AAAAAAAAAFU/eXE1FJkSpxQ/s320/mariagadu.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5426412665450101714" /></a><br />Tive a sorte de conhecer a música de Maria Gadú, artista bem jovem, mas com um talento antigo, tenho certeza. Trata-se daqueles poucos álbuns que se tem vontade conhecer inteiro numa só tarde, porque se tem certeza de que embalará outras tantas. É isso: o disco de Maria Gadú me lembra uma tarde de chuva, daquelas descomprometidas em que se fica debaixo de um bom cobertor admirando a beleza do tempo frio e do calor aconchegante de um agasalho.<br />Duas canções, em especial, me encantaram. A primeira - “Dona Cila”, é uma canção escrita em homenagem à sua avó, a quem o álbum é dedicado. A letra é permeada por um sentimento a um só tempo doce e amargo. A doçura do amor que sustenta, o amargo da despedida. Há melancolia na construção e melancolia é um sentimento difícil. Fala de uma dor danada, a do apego que “não quer ir embora” junto com quem se vai. E termina belamente com uma espécie de oração:<br /><br />Ó meu pai do céu, limpe tudo aí<br />Vai chegar a rainha<br />Precisando dormir<br />Quando ela chegar<br />Tu me faça um favor<br />Dê um banto a ela, que ela me benze aonde eu for<br /><br />A outra é um samba-canção a não dever quase nada a outros grandes nomes do samba brasileiro. Falo de “Altar particular”, canção de uma cadência a la Noel Rosa e também de letra sofrivelmente bela. Com versos como “No breu de hoje eu sinto que/ O tempo da cura tornou a tristeza normal”, o eu-lírico, que experimenta a via crucis de uma dolorosa relação amorosa, espera, no sentido mais perseverante da palavra, a concretude do amor, uma fagulha de plenitude alcançada pelo coração. Finaliza, entretanto, com a espera:<br /><br />Teu cais deve ficar em algum lugar assim<br />Tão longe quanto eu possa ver de mim<br />Onde ancoraste teu veleiro em flor<br /><br />Sem mais, a vida vai passando no vazio<br />Estou contudo a flutuar no rio <br />esperando a resposta ao que chamo de amor<br /><br />O disco que traz ainda regravações como “A História de Lily Braun” de Chico Buarque e o clássico “Ne me quite pas” (em versão surpreendente), agrada pela beleza e pelo cuidado. Se “música é perfume”, o disco de Maria Gadú há de espalhar aromas inesquecíveis e, com sorte, hão de impregnar...Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-29314808023327027342010-01-11T15:30:00.001-08:002010-01-11T15:30:37.649-08:00Coisas de mãe INa mão direita aberta cinco moedas. Insuficiente para o refrigerante. Sem problemas: comeria somente o cachorro-quente. A manhã pesada da aula lhe deu muita fome. Ainda teria toda a tarde pela frente. Sabia que estudar era o caminho, sua mãe sempre lhe dizia.<br />Do outro lado da cidade, a mãe recolhida na copa, terminava de esquentar a sua marmita. Lembrou-se por um instante do filho na faculdade que talvez não tivesse dinheiro para comer. Deu a primeira colherada. Em sua cabeça, o filho com fome. Mastigava com dificuldade. O filho do outro lado da cidade com fome.<br />A comida começou a inchar em sua boca, não descia pela garganta. Sentiu dor e tristeza profunda, cuspiu e pôs-se a chorar orando pelo filho.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-58531748958965741272010-01-11T15:13:00.000-08:002010-01-11T15:15:24.287-08:00"A solidão de ser só dois"<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S0uxAfhT9EI/AAAAAAAAAFM/5J1B22e8Lfw/s1600-h/fuma%C3%A7a.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 213px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/S0uxAfhT9EI/AAAAAAAAAFM/5J1B22e8Lfw/s320/fuma%C3%A7a.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5425624798117229634" /></a><br /><br />Os corpos nus espalhados na cama.<br />Não tinham sequer recobrado as forças após o intenso gozo que ainda enchia seus corpos de uma avalanche de choques e espasmos.<br />De repente, ele se virou de lado, alcançou os cigarros e o isqueiro em cima de um criado mudo e acendeu.<br />A fumaça criou uma espécie de cortina entre os dois, quando ele começou a falar: <br />“Já pensou que loucura: se eu morresse agora eu nunca mais sentiria prazer. Não é mesmo louco!?”<br />A cortina se adensou. A fumaça branca agora mais espessa parecia paralisada no ar entre os dois.<br />“Se você morresse agora, disse ela, eu nunca mais sentiria prazer.”<br />A frase saiu desconcertada, entre titubeante e emocionada por ter proferido o que poderia ser interpretado como uma declaração de amor. E talvez o fosse. Era.<br />Nunca antes fora capaz de dizer isso a ninguém, tanto por incerteza quanto pela falta de oportunidades. Colecionou quatro ou cinco romances malfadados cujas declarações nem...<br />Disse e desviou o olhar. Queria parecer indiferente, distante, soou envergonhado, tímido, real.<br />Ele se levantou calmamente, pôs no aparelho um disco de Noel:<br />“Você precisa pensar um pouco mais em si mesma”.<br />“Eu não te entendo.”<br />“Talvez nunca entenda mesmo, mas que importa? você precisa é se entender!”<br />Disse isso enquanto se vestia.<br />Nessa hora, ela se virou de lado, cobriu-se com o lençol amarrotado e pela primeira vez envergonhou-se de estar nua.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-52922395025436857272009-12-09T10:45:00.000-08:002009-12-09T10:47:14.249-08:00"todos os meus amigos têm sido campeões em tudo..."<a href="http://4.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/Sx_wqFoO12I/AAAAAAAAAFE/8SpkFCM8t7g/s1600-h/l%C3%A1pis.bmp"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 294px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/Sx_wqFoO12I/AAAAAAAAAFE/8SpkFCM8t7g/s320/l%C3%A1pis.bmp" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5413309882978719586" /></a><br />Tenho verdadeiro horror a vestibular e tudo o que se criou em torno dele. Odeio os discursos de supremacia, o elogio à competição; odeio o ódio cultivado entre os concorrentes que chegam a desejar a morte uns dos outros na esperança de sobrar uma vaga... <br />O vestibular, como se tem posto, enquadra as aulas, que, diga-se, há muito não são espaços de criação e diálogo. Somos obrigados a adivinhar como a questão cairá na prova, quais as opções corretas, como operar a prova como uma máquina, e acabamos todos por nos tornar máquinas de conteúdos enciclopédicos.<br />É evidente que em muitos processos seletivos já se pode notar avanços colossais, que priorizam a aplicabilidade dos conhecimentos m detrimento do “decoreba” tradicional. O que me entristece é deparar com quarenta alunos que só enxergam o Dom Casmurro como uma ponte para a Universidade.<br />Outra questão digna de horror é a síndrome dos concursos públicos...<br />Morando em Brasília parece natural que vivamos sob a batuta dos processos seletivos. Uma legião de “concurseiros”, armados de apostilas e legislações, vagam pela cidade com cifras nos olhos em busca de editais. Não critico o sonho de um bom emprego, de estabilidade financeira, de praia nas férias e dinheiro para o cinema; critico a fúria cega que os assola na busca de uma conta bancária recheada e não d uma profissão. Aliás, profissão, vocação, talento parecem meio fora de moda na contemporaneidade. As palavras de ordem são outras, mais economicamente viáveis. Há um notável apagamento da idéia de “serviço público”, em seu sentido último – o de servir, de “dar sua contribuição para o nosso belo quadro social”. Em lugar de serviço, carreira.<br />“Os concurseiros”, uma espécie ainda carente de estudo atencioso, não escolhem as provas por afinidade, visando de que forma melhor podem “servir o público”, mas pautados pela remuneração. É claro que também são vítimas de uma sociedade que ensina desde cedo que não se ganha o segundo lugar...<br />Sei que cinco mil reais conseguem minimizar a depressão diante de uma sala cinza com persiana torta, parede mofada, telefone mudo, copo d’água, carimbos e papéis; não sei, porém por quanto tempo.<br />“E eu que tenho sido vil, literalmente vil” sonho utopicamente com o dia em que as provas serão abolidas e a competição desenfreada será apenas lembrança de outrora. “Estou farto de semideuses”.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-32400205530201820802009-11-04T08:53:00.000-08:002009-11-04T08:55:49.409-08:00Biografia em fragmentos III<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/SvGx55WwkdI/AAAAAAAAAE8/tlcVPmNCVWg/s1600-h/zenwaw-pacman.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 285px; height: 320px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/SvGx55WwkdI/AAAAAAAAAE8/tlcVPmNCVWg/s320/zenwaw-pacman.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5400293036400873938" /></a><br /> - Quer jogar videogame?<br /><br />- Desculpe, não tenho dinheiro para fliperama...<br /><br />- Não, na minha casa, bobo!<br /><br />Os olhos do menino brilhavam diante do convite. Afinal, videogame era coisa de gente rica e sua pobreza não lhe permitia pensar nessas luxúrias. Videogame era caro, contentava-se em ver de vez em quando na volta do colégio, os meninos brincando no fliperama da esquina.<br /><br />- Sim, lá em casa! Minha mãe me deu um novo, tô morrendo de vontade de estrear.<br /><br />Sua maldade de criança o fez odiar por um instante aquele pequeno burguês que tinha um videogame “novo”, enquanto ele sequer tinha direito à vaidade de sonhar com um velho. No instante posterior, deu-se a pensar o que teriam eles feito com o videogame velho. Fora dado a um primo pobre, que agora já nem era mais pobre porque tinha videogame; ou entregaram para o bazar da Igreja que ajuda as crianças carentes, desprezando a sua carência de menino sem videogame; venderam mais barato para comprar o novo; não, eles não precisavam de dinheiro velho para comprar coisas novas. Essa gente rica sempre tem dinheiro, dinheiro novinho em folha, que brota em jarros cultivados no jardim de suas casas ricas. Jogaram fora.<br /><br /> - Jogaram fora? Perguntou entre irritado e indignado, mas tentando disfarçar a sua raiva.<br /><br /> - Sim, já estava velho, ninguém ia querer mesmo!<br /><br />“Eu ia querer, eu quero”, pensava o menino resignado de seu lugar distante. Procuraria nos aterros sanitários se pudesse, abriria lixo por lixo, duelando com catadores, urubus e meninos-caçadores-de-video-game-de-gente-rica. Lixo precioso. Talvez o lixeiro que recolhia todos os dias os sacos daquela casa rica tivesse percebido um peso diferente, um formato diferente. Talvez o filho do lixeiro se sentisse menos pobre por ter com que brincar. Talvez o lixeiro não tivesse percebido nada e o videogame já tivesse em cacos, triturado por máquinas que destroem coisas que algumas crianças gostariam de ter impedido.<br /><br />- Meus irmãos vem me buscar, não posso sair sem avisar! Disse consternado.<br /><br />- Então tá bom, vou correr para ter mais tempo para brincar!<br /><br />Nessa hora, ele viu a sua oportunidade de entrar numa casa rica, de ver de perto os ricos, de jogar o videogame, descerem para a rua de trás. Não poderia deixar de aproveitar essa chance. Sua pobreza não lhe deu opção. Escreveu rapidamente um bilhete endereçado aos irmãos que o buscariam dentro de instantes e pendurou no alambrado da escola. Sua inocência e ambição o impediram de lembrar que era necessário escrever o endereço da casa do amigo, a fim de que os irmãos soubessem aonde buscá-lo. Não o fez. Saiu em disparada tentando alcançar o amigo rico.<br />Quando cruzava a rua cheia de carros, podia sentir o bilhete voando lá atrás...Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-22981228032685374032009-11-04T08:47:00.001-08:002009-11-04T08:49:24.255-08:00Biografia em fragmentos II ou Que saudades do mimeógrafo!<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/SvGwia1SrmI/AAAAAAAAAE0/9baVG7VwZ2s/s1600-h/estudante7la.png"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 296px; height: 320px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/SvGwia1SrmI/AAAAAAAAAE0/9baVG7VwZ2s/s320/estudante7la.png" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5400291533558820450" /></a><br />De vez em quando olho para os meus alunos e penso: qual deles mais se parece comigo quando tinha essa idade? Difícil imaginar, todos parecem espertos demais, astutos demais. E não sei até que ponto isso é bom ou ruim. Ora invejo essas crianças que parecem atualmente chegar prontas no mundo, ora lastimo a geração que não brinca mais de mamãe-da-rua, garrafão e “cai no poço”. O fato é que não me reconheço em nenhum dos meus alunos, perto deles eu era um estranho “nerd”, se é que ainda se usa essa palavra... gíria caduca!<br />Lembro de quando estava na terceira série e vi um colega (repetente e por isso maior e mais velho) portando uma carteira de cigarros. Não sei até hoje se ela fumava mesmo ou se queria apenas impressionar os menores e medrosos como eu. O que sei é que sentia que só por dividir a mesma sala com ele eu já era um fumante. Um fumante, um criminoso com oito anos de idade. Roguei a minha mãe que me livrasse do maldito vício de conviver com um fumante; carga pesada demais para mim.<br />No mesmo ano, o aluno mais aplicado da turma teria sua primeira decepção. Com a disciplina de um samurai, orgulhava-me dos meus SS’s, dos vistos carimbados da professora acrescidos da inscrição com letra de normalista – “parabéns!”. Numa fatídica manhã, quando a professora devolvia as provas de matemática, pude sentir o peso de 300 quilos do MI (média inferior) que desabava sobre a minha cabeça. O mundo começava a ficar em slow motion, quase que paralisado pela vergonha da nota vermelha. Naquela hora, fiz o que qualquer homem de oito anos faria: chorei copiosamente, desbragadamente ao pensar na mancha vermelha que marcaria para todo o sempre a minha vida, e o mais grave: o meu histórico escolar. Ao ver o meu desespero, a professora chamou-me para tomar a tabuada, a que de pronto respondia, tentando ignorar os soluços convulsos que me dificultavam a fala. Certa de que eu sabia do conteúdo, a tia-professora modificou a nota, fazendo o vergonhoso MI transmutar-se em um medíocre MM, o que nem de longe me contentou. Continuei chorando. O MM de piedade não foi suficiente para apagar a vergonha por que passara. Hoje penso na falta de sensibilidade da professora que não enxergou o erro de percurso, que deu mais importância a uma menção do que ao menino do SS-parabéns-plus! Nunca mais consegui fazer uma prova de matemática tranqüilo. O medo do fracasso surgia aliado à imagem da professora questionando: três vezes três; seis vezes oito; sete vezes cinco; igual a frio na espinha, amnésia momentânea e uma notinha mediana para não cair no choro outra vez, denunciando os oito anos que não saem mais.<br />Embora morasse pertinho da escola, saía de casa com pelo menos 45 minutos de antecedência. Não porque tinha medo de chegar atrasado, o que era quase impossível, mas somente para ser o primeiro da fila e pegar na mão da professora na hora de ir para a sala de aula. Pegar na mão da professora era uma honra; poder ajudá-la a carregar o seu material então era a glória. E, parafraseando Leminski, eu carregava aquelas pastas, cadernos, caixinhas, “como se portasse medalhas, uma coroa, um milhão de dólares ou coisa que os valha”. Era o rei da classe. O rei da tia-professora. <br />Meu maior sonho era um dia ajudá-la a “rodar” o material da aula. Rodar o material era fazer uma espécie de impressão manual utilizando o arcaico mimeógrafo – uma máquina pesadíssima movida a litros e litros de álcool que imprimiam no branco do papel em contornos lilázes, arroxeados, os desenhos que com felicidade coloríamos e dávamos vida. Alguns coloriam desordenadamente, como rabiscos ferozes e cores inesperadas, como o meu irmão que insistia em pintar o pato de azul; outros, mais cuidadosos e nem por isso mais saudáveis, já arraigados a pequenas estruturas, perseguiam com fôlego a verossimilhança e dava ao pato cor de pato, à árvore cor de árvore. A diferença entre um e outro é que aqueles – dos patos azuis, tornaram-se adultos mais livres, estão mais à vontade na vida, sabem que a vida se colore com o lápis que se tem, compreendem bem a filosofia do limão (“se a vida te der limões, então faça uma limonada!”). Isso mesmo, ao vencedor, os limões! Os demais estão presos a um perfeccionismo, aos padrões impostos e pagam em dobro os impostos padronizados. Estes percorrem toda parte procurando a cor mais adequada, mais verossímil, a aquarela perfeita, e não se dão conta de que a corrida cega pelo caminho dito certo acaba transformando a vida num retrato em preto e branco. (Estou pensando em me lançar no mercado da auto-ajuda, menos por acreditar no meu talento na área e mais por sonhar com as cifras e com um castelo só para mim!).<br />O fato é que um dia, a memorável professora deu-me o prêmio de rodar o material da aula. Entre orgulhoso e tímido, girava a manivela vendo saírem como num passe de mágica os desenhos que pintaríamos dali para frente. Sentia-me professor, irmanava-me a ela no ofício de transformar papel branco em lição, em tarefa, em letras, números, textos, em vida. Era a vida que eu via acontecer naquela hora. Um fragmento de vida na atividade prosaica de uma professora e de seu aluno que descobria como as coisas aconteciam por trás das câmeras, como se planejavam os pequenos exercícios que nos faziam compreender outras coisas, também da vida – umas mais, outras bem menos importantes. Inebriado pelo álcool, rodei o material. Naquele dia, senti-me co-autor, via um pedaço de mim nos trabalhinhos que meus colegas manejavam. E eu não pintava mais, reinava acreditando que já era professor. Sem que eu soubesse, ensaiava os passos de um futuro conflitante.Rafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7206116761120569288.post-88923577418634189912009-10-22T08:12:00.000-07:002009-10-22T08:31:47.014-07:00Sangue e sintonia<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/SuB63aVK1yI/AAAAAAAAAEs/LRCW7W9koCY/s1600-h/maos_dadas.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 285px; height: 300px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_0usKi4K6Tzo/SuB63aVK1yI/AAAAAAAAAEs/LRCW7W9koCY/s320/maos_dadas.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5395447445969360674" /></a><br /><span style="font-style:italic;">Para os meus irmãos (de sangue e de sintonia)<br /></span><br /><br />Quando vez por outra me perguntam quantos irmãos eu tenho, costumo responder com uma outra pergunta: irmãos de sangue ou de sintonia? Sim porque de sangue é bem fácil responder (E são cinco, por sinal!), mas irmãos de sintonia... árdua tarefa, a lista cresce e os critérios são bem diferentes.<br /><br />Irmãos sanguíneos não escolhemos. Somos obrigados ao convívio – para o bem e para o mal. Dividimos a dura missão de ser família, com tudo o que essa palavra implica. As brigas por causa das roupas, pelo melhor lugar no sofá, pelo tempo no banheiro, por conta da organização das prateleiras, do guarda-roupa, da vida enfim.<br /><br />Neles nos vemos e vemos tudo o que também não queremos ser. Admiramos suas virtudes e odiamos (na maioria das vezes) admitir a tietagem. Enredados numa relação complicada, somos os amigos mais leais e os inimigos mais perigosos por conhecermos os pontos fracos do oponente, além de dispor de uma interminável lista de vexames familiares e histórias de infância capazes de desmoralizar o mais idôneo pai de família. Saboreamos em volta da mesa as palavras amor, união, companheirismo, dificuldade, vitória, dor, alegria e tristeza, passando de mão em mão aquilo que é de um e é de todos. Entre irmãos não há possibilidade de esconder muito, as sombras revelam, as paredes são cúmplices e mancomunam fraternalmente.<br /><br />Lembro que certa vez a minha mãe acusou-me de não gostar do meu irmão mais velho. Lembro também que na hora me perguntei como era possível medir o amor, como calcular em peso e medida algo tão insólito, tão inefável quanto a fraternidade? A mãe falava do seu lugar de leoa defendendo a cria, embora ela soubesse que havia amor entre nós, só que não precisava declarar.<br /><br />Incrível como conseguimos falar tão facilmente que amamos os outros que não são família. Para amigos, namoradas, soa quase que deslizante o ‘eu te amo’ desejado. Escorre fluido e sem receios a declaração mais esperada pela humanidade: ‘eu te amo’! Eu-te-amos que pelo repetitório perdem a força expressiva, não comunicam a inteireza da entrega que é o amor. Declaração que, no entanto, insiste em esperar do lado de fora do muro da casa da gente, torcendo ardentemente para que os gestos, os favores, a presença falem por si. Dentro de casa o amor se transforma em ajuda na lição de casa, em copo d’água, em silêncio.<br /><br />Mas para além dos laços genéticos, outros são escolhidos para compor uma família cuja ligação se dá sem a força violenta do sangue. A relação se constrói, “tijolo por tijolo num desenho mágico”. A isso chamamos amizade.<br /><br />Os amigos estão a todo tempo sob ameaça de esquecimentoRafael Batistahttp://www.blogger.com/profile/11442073362338175577noreply@blogger.com2