
Das dores e delícias de ser professor
A todos os meus mestres
Dia sim, dia não, amanheço com vontade de desistir de ser professor. Penso que preciso livrar-me urgente da (des)ventura de gostar de ser professor. E gosto, como gosto! Para o bem e para o mal. Em algum momento conscientemente escolhi esse caminho – ou deveria dizer via crucis para irmanar-me aos discursos tão senso comum que ao longo de séculos deram ao magistério o status de sacerdócio por piedade?
Invejo o Mr. Keating e sua coragem de rasgar os protocolos dos malditos burocratas da educação, enquanto sinto-me cada vez mais entranhado aos grilhões do que posso chamar “mercadão de disciplinas”. Enredamo-nos, nós professores, numa extensa e nebulosa relação enciclopedista, violenta, cansativa e, por diversas vezes, subumana de trabalho.
(Querida, espero ansioso o dia em que será considerado crime aplicar prova para os alunos!)
Tenho dito ultimamente que preciso desistir da profissão enquanto ainda posso me orgulhar do que já fiz. Pois não muito distante, vejo vir o tempo em que a mediocridade assola. E Deus sabe como a medianidade me apavora!
Eu sempre quis ensinar-aprender a vida, sem grandes tratados, sem os apertos e sufocos das teorias totalizantes, colher o fruto da vida no auspicioso trajeto de construir saberes e experimentar sabores diversos. Quis partilhar idéias, trocar poesias que fluíam não por exibicionismo dos prodígios da memória, mas por amor ao verso, por prazer em ver e ouvir estrelas, como disse o poeta. E, para não ser de todo pessimista, creio que foi por isso que ainda não entreguei todos os pontos. Por acreditar (embora ingenuamente) no poder da poesia. Lembro-me do professor de segundo grau que nos hipnotizava ao recitar “A ave” de Jorge de Lima, propiciando uma verdadeira catarse, ainda que a nossa falta de cabedal nos impedisse de alcançar a força desse termo. Sentíamo-nos todos como a ignota ave que “ninguém sabia de onde viera”, antropomorfa como um anjo e solitária como qualquer poeta. Naquele tempo decidi ser hipnotizador também. Descobri que ser professor, tal qual o poeta, é ser solitário, sozinho nas amargas frustrações diante da impossibilidade de transformar rápida e efetivamente o mundo, diante da falência da fábula do beija-flor perante o imensurável incêndio que destrói famílias, projetos, sonhos íntimos; os deles e os meus. Era nisso que eu acreditava: na força da docência como projeto, como “pedagogia da autonomia”, que liberta os oprimidos, que devolve os reinos quem de direito. Sinto-me desamparado dessa fé inabalável, não aquela fé cega e inocente, mas a que move, que gera coragem.
Outro dia um aluno escreveu-me dizendo que gostaria de fazer algo mais pela educação, para transformar a sua escola, a sua realidade. Suas palavras emocionaram-me de uma forma encantante. Não consegui responder ainda. Como Gandhi, preciso viver o desejo dele para que minhas palavras não soprem falsas ilusões e vagas esperanças. E assim prossigo, dia sim, dia não, acreditando que posso recomeçar e olhar o mundo de outro ângulo, quem sabe por cima das velhas carteiras da minha escola... Oh Capitain, my capitain!!!