quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sangue e sintonia


Para os meus irmãos (de sangue e de sintonia)


Quando vez por outra me perguntam quantos irmãos eu tenho, costumo responder com uma outra pergunta: irmãos de sangue ou de sintonia? Sim porque de sangue é bem fácil responder (E são cinco, por sinal!), mas irmãos de sintonia... árdua tarefa, a lista cresce e os critérios são bem diferentes.

Irmãos sanguíneos não escolhemos. Somos obrigados ao convívio – para o bem e para o mal. Dividimos a dura missão de ser família, com tudo o que essa palavra implica. As brigas por causa das roupas, pelo melhor lugar no sofá, pelo tempo no banheiro, por conta da organização das prateleiras, do guarda-roupa, da vida enfim.

Neles nos vemos e vemos tudo o que também não queremos ser. Admiramos suas virtudes e odiamos (na maioria das vezes) admitir a tietagem. Enredados numa relação complicada, somos os amigos mais leais e os inimigos mais perigosos por conhecermos os pontos fracos do oponente, além de dispor de uma interminável lista de vexames familiares e histórias de infância capazes de desmoralizar o mais idôneo pai de família. Saboreamos em volta da mesa as palavras amor, união, companheirismo, dificuldade, vitória, dor, alegria e tristeza, passando de mão em mão aquilo que é de um e é de todos. Entre irmãos não há possibilidade de esconder muito, as sombras revelam, as paredes são cúmplices e mancomunam fraternalmente.

Lembro que certa vez a minha mãe acusou-me de não gostar do meu irmão mais velho. Lembro também que na hora me perguntei como era possível medir o amor, como calcular em peso e medida algo tão insólito, tão inefável quanto a fraternidade? A mãe falava do seu lugar de leoa defendendo a cria, embora ela soubesse que havia amor entre nós, só que não precisava declarar.

Incrível como conseguimos falar tão facilmente que amamos os outros que não são família. Para amigos, namoradas, soa quase que deslizante o ‘eu te amo’ desejado. Escorre fluido e sem receios a declaração mais esperada pela humanidade: ‘eu te amo’! Eu-te-amos que pelo repetitório perdem a força expressiva, não comunicam a inteireza da entrega que é o amor. Declaração que, no entanto, insiste em esperar do lado de fora do muro da casa da gente, torcendo ardentemente para que os gestos, os favores, a presença falem por si. Dentro de casa o amor se transforma em ajuda na lição de casa, em copo d’água, em silêncio.

Mas para além dos laços genéticos, outros são escolhidos para compor uma família cuja ligação se dá sem a força violenta do sangue. A relação se constrói, “tijolo por tijolo num desenho mágico”. A isso chamamos amizade.

Os amigos estão a todo tempo sob ameaça de esquecimento

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Eu sou um clichê!


Querida Carol,

Sinto falta de quando tínhamos tempo de conversar sobre as inutilidades cotidianas que enchiam nossa vida de sentido...
Lembro com saudade de quando caminhávamos após a escola, ignorando o sol de meio-dia e as seis exaustivas aulas que nos aprisionavam temporariamente. Mas sabíamos o que era liberdade - a liberdade dos que não vivem atados aos grilhões dos boletos bancários, das contas de água, luz e telefone. Saudade da adolescência que parecia não passar e que hoje está tão distante. Se fechar os olhos, ainda me lembro da mochila jeans, dos tênis desgastados, dos cadernos de matéria que serviam para forrar o assento,para calço de mesa, para marcar o lugar na sala, além, é claro, de ser o repositório da famigerada trigonometria.
Como o tempo passava rápido nas rodas de truco, como éramos onipotentes - cavaleiros armados: em lugar da espada e da armadura, canetas e uniforme escolar. Nossos medos eram nossos brinquedos. Com a "alma de sonhos povoada", regíamos tempestades, desafiávamos os limites do tempo, da rotina, do corpo; rasgávamos as fotos dos nossos heróis, depois colávamos os pedaços novamente.
Sinto falta das preocupações da época, de quando nos orgulhávamos dos nossos problemas, competíamos para ver quem era o mais incompreendido. Afinal, ser adolescente é ter uma vida boa e querer lágrimas e consolo. Éramos nós mesmos os nossos analistas (freudianos, junguianos, lacanianos, sei-lá). Despejávamos teorias complexas formuladas da altura dos nossos quinze anos. E o mais incrível: vislumbrávamos algo de cura!
Nossa revolução era um abaixo-assinado. Azar o das baleias, dos micos perseguidos, da emissão de CO2; nossa luta era contra nossos professores, contra nossos pais, contra nossa adolescência e imaturidade, enfim, contra nós mesmos. Não dá para dizer que éramos rebeldes sem causa. Nossas causas é que eram pequenas para os olhos adultos e grandes demais para os limites do nosso quarto.