domingo, 7 de novembro de 2010

Coisas de pai




Ao Seu Marcelo

“Eu te odeio! Quero que você morra!” Disse e bateu forte a porta atrás de si. Trancada e atirada à cama entre prantos e desejos de vingança, pensava em uma forma de punir seu pai. Queria ser mais livre, menos triste por ter quinze anos e não fazer “o que lhe desse na telha”. “Fala sério, odeio tudo isso!”. Seus quinze anos não permitiam que ela enxergasse todo um jogo de poderes, de medos e de perversos amores que regem a relação pai e filhos. Olhava em todos os quatro cantos do quarto à procura de algo que servisse à sua ira. Desejava que o pai morresse; melhor, que ela morresse, para que ele se sentisse culpado, constrangido, amargurado, com remorso e aos poucos definhasse e encontrasse enfim a morte, após uma lenta e dolorosa pena de dias, ou talvez semanas.
Lembrou-se das palavras duras, das proibições e os nãos iam e vinham ziguezagueando em sua mente, desenhando parábolas que viravam água e sal. Odiava o jeito com que lhe tratava, sentia como se suas mãos crescessem e lhe esmagassem, como se extermina um pernilongo irritante.
Seu olhar fixou o quadro de fotos dependurado na parede. Seus sorrisos com amigos, com o cachorro, com o pai. Num ímpeto levantou-se e retirou a foto ignorando os pequenos imãs coloridos voando pelo quarto. Picotou em exatos oito pedaços como se pudesse fazê-lo sentir o ódio do seu gesto. Abriu a porta da sua masmorra e lançou na sala os braços, abraços, caras e cenário distribuídos cada qual no espaço de um rasgo. Bateu a porta novamente. Chorou e dormiu desejando o fim do dia, da vida, do mundo. Acordou com os olhos inchados e abriu uma fresta. Viu a sala vazia e lentamente foi caminhando em direção à porta. Antes de dobrar o corredor pode ver em cima da mesa a foto colada num papel. Os quadradinhos juntavam-se de novo formando um mosaico da inteireza de outrora, abaixo os seguintes escritos: “Minha filha, dessa vez eu ainda consegui colar, mas chegará um dia em que não estarei mais presente para juntar nossas vidas. Espero que a nossa história não seja construída de remendos e pedaços mal colados. Meu amor de pai... sempre”.

2 comentários:

  1. Oi Rafa! :) Qdo puder dá um olhada no blog da Cissa (prima da Gita) acho que vc vai gostar...
    tem vários textículos legais... rs

    Inté!

    http://cadernodemomentos.blogspot.com/

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  2. Texto lindo... Vivo isso constantemente... Jogo para trás os meus pensamentos e revivo a minha adolescência para compreender as atitudes de meus filhos... Putz, é isso o tempo todo, reconstruir para não deixar-se separar...
    Lindo o texto... lindo mesmo. Apaixonei...

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