terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ser preto, com todo direito de sê-lo

O debate acerca da questão racial no Brasil parece ter enfrentado uma certa neutralização nos últimos tempos. Isso porque uma negra protagonizou a novela das oito, nas prateleiras dos supermercados pode-se encontrar xampu para cabelos crespos ou hidratante para pele negra, o cabelo “black power” aparece num personagem de seriado juvenil; somado a isso no panorama mundial vê-se um presidente negro à frente da maior potência e a copa do mundo encontrou a África de Mandela. Tudo isso parece demonstrar o aluir das barreiras enfrentadas pelos negros e a queda da discriminação racial, um belíssimo porém frágil discurso. O fato de ser negro estar na moda não significa definitivamente que a questão está resolvida. Ocorre que o mundo da lógica capitalista transforma tudo (em velocidade exorbitante) em mercadoria, inclusive todas as lutas, por isso mesmo se vende uma idéia falaciosa de que a diversidade constituinte do povo brasileiro apaga as diferenças de cor, de credo e de grupo social. Na verdade, a coisa não mudou muito. Passado o furor inicial da implementação do sistema de cotas para negros, restou a fala resignada de um preconceito velado que ainda afirma que as cotas reforçam o preconceito e segregam ainda mais. Certo dia um aluno, durante o debate sobre o tema, discordou das cotas por afirmar que o livro que o branco lê é o mesmo que o do negro, por isso ambos teriam as mesmas chances. Preocupou-me grandemente tal juízo vindo de um aluno do ensino superior, sobretudo por demonstrar uma legítima ignorância histórica e por estar viciado pelos discursos de catedráticos que enxergam gráficos e planilhas e desconhecem o estigma, o rótulo, o peso insuportável das forças históricas. Por mais pop que possa parecer a moda afro, a indústria de chapinhas ainda lucra com o embranquecimento da sociedade, que uniformiza cabelos e ideologias de uma legião de pessoas cujo orgulho foi abalado pelos olhares enviesados dos que condenam o cabelo sarará. Para protagonizar a novela do horário nobre, a moça tem que estar ancorada ao casamento com um branco bem sucedido como que para legitimar o seu lugar. Mas eles continuam teimando em aparecer, vestidos de empregados ou no tão clichê personagem sambista, malandro, fanfarrão. Quero dizer com isso que levará ainda bastante tempo para que a diversidade seja respeitada e admitida socialmente em todas as esferas, e acrescento ainda que falta comunhão com a questão do negro. Sim, porque se fecho os olhos e me disponho a complexificar a ótica do mundo administrado, posso ouvir o som do chicote que estala e gira em “doidas espirais” regendo a dança do navio negreiro, posso ver as marcas do castigo e as mãos escalavradas que levaram no braço séculos de uma economia arcaica que sustentava a elite branca e privilegiada. Nessa comunhão todo brasileiro é negro e toda dor de um é a de todos. Por isso uso o cabelo solto e não me envergonho quando dizem que ele é duro, e não tenho medo de me chamar de negro, preto, crioulo. Axé!

4 comentários:

  1. ENCONTREI MINHAS ORIGENS


    Encontrei minhas origens
    Em velhos arquivos
    Livros
    Encontrei
    Em malditos objetos
    Troncos e grilhetas
    Encontrei minhas origens
    No leste
    No mar em imundos tumbeiros
    Encontrei
    Em doces palavras
    Cantos
    Em furiosos tambores
    Ritos
    Encontrei minhas origens
    Na cor de minha pele
    Nos lanhos de minha alma
    Em mim
    Em minha gente escura
    Em meus heróis altivos
    Encontrei
    Encontrei-as enfim
    Me encontrei

    Oliveira Silveira


    E todos nós, que compartilhamos dessa história através da pele trilhamos esse caminho de volta, de reencontro. Só que muitos se perdem, ele é tortuoso.
    Mas caminhando junto fica tudo mais fácil =)


    Asè para todos nós!

    ResponderExcluir
  2. Uhuuummm.... A parte do uso da chapinha me ofende um pouco... mas essa é a nossa realidade.

    Estarei por aqui esperando as atualizações...

    Jordana Rodrigues... ;)

    ResponderExcluir