quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

"E era a vida e a vida era gaiola..."


Aos meus novos alunos

Hoje cedo debatia com meus alunos um poema de uma autora chamada Maria do Carmo de Melo. O poema, intitulado A gaiola, falava da condição do sujeito encerrado nas tantas gaiolas que cerceiam a liberdade do homem. Das gaiolas transmutadas em alianças, em muros, em preconceitos, em impostos, em rotinas, em “tabuletas dizendo é proibido”. Gaiolas tais e tantas que transformam o sujeito em marionete, em um robô de “coração trancado a cadeado”, sem espaço para o inefável, para o sonho, a evasão e o sentimento, reificados e descartáveis como é próprio das coisas. Lembrei do poema de Marçal Aquino com sua “puta mais velha da vila”, que morre solitária em sua casa depois de uma vida inteira marcada por grandes homens (senadores, diplomatas, magnatas); sozinha, pois sabia que um domingo cercada de marido e filhos era também uma prisão. A coragem da personagem de Marçal Aquino tão invejada por milhares de mulheres encerradas em suas gaiolas, por vezes de luxo, denuncia a prisão a que diversas relações se reduzem com o passar do tempo, movidos pelo medo da solidão, da rejeição, do próprio medo, fazemos redomas e encerramos o outro na ilusão de estarmos livres, quando na verdade “guardamos desertos” dentro de nós.
Lembrei-me também da mulher-passarinho do conto de Marina Colasanti que, encerrada numa gaiola, recebia os cuidados constantes do marido que tanto a amava, que lhe trocava o jornal, lhe trazia água e que, no fim do dia, carinhosamente lhe jogava um pano por cima da gaiola para lhe trazer a noite. Uma dia a portinhola se rompe e a mulher empreende novos vôos, busca outros ares, e lembra sem saudade do tempo da escravidão.
O poema da minha aula, embora fale todo e qualquer ser humano atado aos grilhões sociais e reduzidos a atividades, rotinas, conceitos, preconceitos, trouxe-me as dores e angústias das mulheres que, ao lado das crianças, sempre foram as maiores vítimas das diversas faces das gaiolas, disfarçadas em preceitos e princípios, em leis e juramentos, em costumes e crenças. Impossível não pensar na “Gaiola das Popozudas”, chefiada por uma mulher que se crendo livre e dona do seu corpo tem se transformado numa bunda itinerante, que se vende em nome de uma libertação sexual tão falaciosa quanto o volume que carrega em suas costas. Mulheres de Atenas ou do Complexo do Alemão, de Brasília ou do Pará, seguem rompendo suas gaiolas silenciosamente enquanto outras se trancam sem a devida consciência dos seus atos. E como todos nós sabemos, o canto de dentro da gaiola sempre soa mais triste, posto que melancólico, com saudade de voar.

5 comentários:

  1. Nos acostumamos com as gaiolas e elas passam a ser um lar... vivemos acreditando no infinito e nas possibilidades, mas nos fechamos [nas palavras, nas ações, nas relações, nas instituições, nos nossos pensamentos, no nosso universo, nos nossos conceitos(ou não conceitos rs) espirituais]... asas cortadas, canto sem graça e vida que passa rs! Adorei o texto!

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  2. Uau, esta leitura me fez ver claramente cada uma das grades de minha linda gaiola.

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  3. Olá Rafael! Li seu texto e o identifiquei com um dos meus. A algum tempo, sentia-me uma "mulher-passarinho" e, em meio a tanta angústia escrevi o texto " Não há diferenças, você é como um pássaro!" O título tenta passar uma mensagem de liberdade, porém, sabemos o por que se ser-mos pássaros...Se puder entre no meu blog : http://textualintimacy.blogspot.com . Beijos

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  4. A liberdade é também responsabilidade. Voar assusta.


    Beijo
    Saudade da porra de ti nego!

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  5. Olá. Uns tempos atrás tinhas respondido um email que enviamos do poslit e deixaste o link do teu blog. Tens ótimos textos!

    daisy

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