segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Máquina I


A máquina I
A leitura do romance de Adriana Falcão recomendada aos meus alunos motivou-me a começar uma série de postagens com algumas reflexões que podem ajudar a esclarecer, a levantar questionamentos, a suscitar embates intelectuais, emocionais, de ordens diversas. Espero que as postagens sirvam para enriquecer o debate.

A obra de Adriana Falcão, de 1999, interessa-me especialmente por dois pontos. O primeiro deles recai sobre um dilema estruturante das narrativas latino-americanas – a dialética do atraso e do progresso, do arcaico e do moderno, do local e do universal, que, a meu ver, no romance é claramente ilustrado. O segundo ponto trata do que Guy Debord chamou “sociedade do espetáculo”, inevitavelmente ligado aos conceitos de mercadoria e fetichismo.

Dessa forma, os textos que se seguirão estarão versando sobre esses pontos, na esperança de que faça da leitura dA máquina um espaço de diálogo, reflexão e atitude diante da vida.
Abraço e felicidades!

A migração às avessas

Visto superficialmente A Máquina pode parecer, à primeira vista, uma divertida e inocente fábula sobre o amor e o tempo. No entanto, se nos permitirmos uma visada mais demorada e mais analítica, notaremos questões mais profundas e problemáticas merecedoras de um justo debate.

O romance trata da aventura de Antônio no intento de ir buscar o mundo para dar de presente para Karina, por quem é apaixonado. Esse mote é narrado a partir de uma voz aparentemente distanciada que fala do que um tempo “longe que só a gota”, no qual os personagens vivem suas peripécias.

Antônio possui uma relação bastante peculiar com o tempo. Uma proximidade que, inclusive, serve como estratégia para a realização da missão a que se propõe. Essa intimidade de Antônio com o tempo gera a coexistência de temporalidades – presente, passado e futuro – fato que adquire um valor simbólico peculiar sob nossa ótica. Em estudo de 1973, intitulado Literatura e subdesenvolvimento, Antonio Candido, um crítico literário de grande importância em nossas letras, afirma que a coexistência do atraso e do progresso são marcas da história latino-americana. Trata-se de um atraso causado pela condição extrema de dependência econômica, política, mas também literária, cultural. Dessa maneira, a eficácia estética dos textos deixa entrever as marcas dessa dialética no trabalho operado pelos autores, enredados inevitavelmente numa dinâmica histórica que passa a ser internalizada na obra, tornando-se igualmente interna, constitutiva da fatura do texto. Ou seja, no trabalho artístico pode-se perceber questões que influenciam diretamente no nosso modo de viver e de perceber o real.

Assim, quando o romance de Adriana Falcão traz a simultaneidade de planos temporais, parece-nos uma dica de que também entre nós, na materialidade de nossas experiências sociais, também parece haver a coexistência de tempos, de realidades históricas, que apontam fundamentalmente para a nossa complexa história formativa. Basta lembrar que o Brasil surge num contexto de expansão de uma lógica que dá curso ao que hoje chamamos capitalismo, mas para isso precisa se valer de práticas arcaicas como o latifúndio e a escravidão. Isso quer dizer que para o mundo avançasse era necessário que outros mundos amargassem o atraso, a exploração. Essa é a nossa história.

E você deve estar se perguntando o que é que tudo isso tem a ver com A Máquina? Ou será que a Adriana Falcão estava pensando nessas coisas na hora de escrever seu livro? Vejamos nos próximos debates...
Abraço, companheiros!

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