Olá,
Depois de tanto tempo sem postar, dou seguimento ao projeto de um poema-para-cada-irmão. Como tenho muitos irmãos, quando terminar terei já uma antologia. Assim seja!
Abraços,
Rafael.
III
Soneto
Em seu rosto as cicatrizes denunciam
Os quinze anos que teimam em não passar,
Juventude perene diluída
Num copo pendente na mesa do bar
Bebe para equilibrar-se na vida
Para entrever no fundo do seu copo
O caos escondido no fundo do peito
Como se cada gole da bebida
Lhe restabelecesse a juventude
Lhe inventasse um mundo mais perfeito
Ama sem saber palavras de amor
Trancafiado na imaturidade
Seu breve sorriso é quase um clamor
De um menino buscando a felicidade.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
"E era a vida e a vida era gaiola..."

Aos meus novos alunos
Hoje cedo debatia com meus alunos um poema de uma autora chamada Maria do Carmo de Melo. O poema, intitulado A gaiola, falava da condição do sujeito encerrado nas tantas gaiolas que cerceiam a liberdade do homem. Das gaiolas transmutadas em alianças, em muros, em preconceitos, em impostos, em rotinas, em “tabuletas dizendo é proibido”. Gaiolas tais e tantas que transformam o sujeito em marionete, em um robô de “coração trancado a cadeado”, sem espaço para o inefável, para o sonho, a evasão e o sentimento, reificados e descartáveis como é próprio das coisas. Lembrei do poema de Marçal Aquino com sua “puta mais velha da vila”, que morre solitária em sua casa depois de uma vida inteira marcada por grandes homens (senadores, diplomatas, magnatas); sozinha, pois sabia que um domingo cercada de marido e filhos era também uma prisão. A coragem da personagem de Marçal Aquino tão invejada por milhares de mulheres encerradas em suas gaiolas, por vezes de luxo, denuncia a prisão a que diversas relações se reduzem com o passar do tempo, movidos pelo medo da solidão, da rejeição, do próprio medo, fazemos redomas e encerramos o outro na ilusão de estarmos livres, quando na verdade “guardamos desertos” dentro de nós.
Lembrei-me também da mulher-passarinho do conto de Marina Colasanti que, encerrada numa gaiola, recebia os cuidados constantes do marido que tanto a amava, que lhe trocava o jornal, lhe trazia água e que, no fim do dia, carinhosamente lhe jogava um pano por cima da gaiola para lhe trazer a noite. Uma dia a portinhola se rompe e a mulher empreende novos vôos, busca outros ares, e lembra sem saudade do tempo da escravidão.
O poema da minha aula, embora fale todo e qualquer ser humano atado aos grilhões sociais e reduzidos a atividades, rotinas, conceitos, preconceitos, trouxe-me as dores e angústias das mulheres que, ao lado das crianças, sempre foram as maiores vítimas das diversas faces das gaiolas, disfarçadas em preceitos e princípios, em leis e juramentos, em costumes e crenças. Impossível não pensar na “Gaiola das Popozudas”, chefiada por uma mulher que se crendo livre e dona do seu corpo tem se transformado numa bunda itinerante, que se vende em nome de uma libertação sexual tão falaciosa quanto o volume que carrega em suas costas. Mulheres de Atenas ou do Complexo do Alemão, de Brasília ou do Pará, seguem rompendo suas gaiolas silenciosamente enquanto outras se trancam sem a devida consciência dos seus atos. E como todos nós sabemos, o canto de dentro da gaiola sempre soa mais triste, posto que melancólico, com saudade de voar.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Irmãos...

Há tempos venho querendo realizar um pequeno projeto: escrever uma poesia para cada um dos meus irmãos. Uma espécie de homenagem. Muito embora reconheça que os meus caminhos pela poesia não são os mais frondosos, teimo e insisto. De qualquer forma, começo a por em ação. Dedico os poemas que virão a cada um dos meus cinco irmãos, parceiros que dividem comigo a árdua tarefa de existir num mundo tão cheio de competições e de violência. Neles encontro o apoio para enfrentar as duras batalhas que surgem pelo caminho. E mesmo sem ficar declarando isso em voz alta entre nós, sabemos e reconhecemos o valor de ser irmãos, juntos nas adversidades e felizes nas realizações. É isso aí, com o meu amor, Rafael.
I
Foste sempre
Um bom filho
Para um pai medíocre
– Um pai pródigo de filho bom –
Filho terno
Para mãe forte
Sempre justo em suas atitudes
Nunca foste criança
Nasceste homem, homem maduro
E pronto para enfrentar tua sina
Sentado no sofá
Chorava quando o pai ameaçava ir embora
Era cúmplice da mãe castigada pela sandice do algoz
Era pai quando o pai se negava o lugar que a fortuna lhe predestinou
E insistia em soltar pipa e jogar biloca e em correr pelo mundo a fora
Para esquecer o peso de sua vida de adulto
Para achar que não estava só.
Sentiu desde sempre
A dor de cuidar dos outros
E a consolar quando também lhe rebentavam as fibras
Mas isso te fez forte
e hoje o mundo gira como um pião na palma da mão calejada
A vida que embrutece
O sofrimento que endurece
Pelo contrário
Só te fizeram mais lacrimoso
E de teus olhos jorram sangue, suor e saudade
Em tua marmita carregava o amor de uma mãe corajosa
Traz em ti o cheiro de capim-santo
Pão das três, bolinho de chuva,
Cheiro verde, chuva caindo serena
Generosa no dever de espalhar a vida
Teus braços se abrem para o infinito
Buscando as respostas de um tempo perdido
Esperas sentado numa janela de vidro
O instante de ver um futuro bonito
Futuro que vem consertar o passado
Passado interdito pelo bom sofrimento
Marcado que foi pelos cortes do tempo
Esperas de dentro de um sonho o Esquisito
A ventura que vem com o sopro do vento...
II
Não sei ao certo quanto tempo se passou
Entre o menino de outrora e o pai de agora
Embalando a filha com a mão no seu rosto
Ensaiando os gestos do reconhecimento
Decorando as marcas de um ser tão diverso
Que de dentro de si emergiu num momento
Ainda te vejo criança pequena
Tartamudeios e cacos de uma fala confusa
Correndo entre outros, desobedecendo
Os limites que em vão te mostravam os dedos
Da feição infantil e das brincadeiras
Nada se foi com a aventura do tempo
Permanece infante e festeiro e menino
Mas sente pesar o pesar de ser herói
Um herói que não viu a passagem das horas
Que não sabe o tamanho e o temor das tormentas
Que dança de dia para espantar os fantasmas
Que foge para não responder as perguntas
Que insistem em burlar a censura
Das frágeis comportas do seu sentimento
Dos medos que coleciona na gaveta pequena
Está o de ter que crescer num repente
E trair os sonhos que um dia plantou
E que inda hoje não são mais que sementes.
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