segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Crônica sobre o amor (ou sobre o que sei do amor...)


“Eu lanço minha alma no espaço,
Você pisa os pés na terra

(...)

Eu grito por liberdade,
Você deixa a porta se fechar.
Eu quero saber a verdade
E você se preocupa em não se machucar”

(Moska. A seta e o alvo)

Não sei exatamente quando nós deixamos de acreditar no amor perfeito, no mito do príncipe e da princesa encantados. Quando deixamos de construir castelos e tecer sonhos amorosos? Quando começamos a enxergar que o amor pode estar mais longe do que pensávamos? A impressão que tenho é de que essa crença dura cada vez menos tempo. Talvez estejamos sendo bombardeados demais pelas histórias de fracassos. Talvez estejamos sendo esmagados pelos discursos atuais de relacionamentos modernos, de liberdade, de autonomia. Discursos que geralmente escamoteiam a fragilidade de uma vida desencontrada, de histórias interrompidas, de desencontros. É preciso investigar.

Esfregar em nossa cara os incontáveis casos de amor que não deram certo tem sido o esporte preferido daqueles que teimam em achar que, desacreditando na felicidade de um relacionamento, estarão imunes aos insucessos e desventuras que vida nos prega. Pelo contrário, adiar a labuta é protelar as chances de encarar o real da vida. O caminho talvez devesse ser outro – não desmitificar de vez o amor e fazer dele algo démodé, mas dar a César o que é de César, ou seja, discutir com mais lucidez o que vem depois do “felizes para sempre...”

Precisamos acreditar mais no amor, não o Cortez medieval, o romântico idealizado, o platônico inacessível, que criaram o estereótipo desse sentimento complicado, mas o amor do cotidiano de Chico Buarque, do café e do conflito, do açúcar e do afeto, da luta diária e árdua das vidas que se sustentam e se transmutam. Precisamos, sobretudo descobrir que amor se constrói, como se dá em qualquer tipo de convivência, qualquer tipo de relacionamento. O que muda quando se fala em amor é que estamos embebidos de uma carga histórica marcada por um romantismo “água com açúcar”, o mesmo que levou Emma Bovary ao fim, que nos impede de enxergar com mais clareza que o amor pode ser simples.

Li certa vez uma frase com força de sentença que me deixou bastante intrigado: “no fundo não somos tão compatíveis”. A frase me soou de início um tanto perigosa, queria talvez ser um ultimato, definitivo e irrevogável. Depois, pensando melhor nela percebi que era equivocada. O que chamavam de compatibilidade era na verdade semelhança, parecença, similitude. E, graças aos deuses, no fundo, no fundo mesmo, ninguém é parecido com ninguém. No fundo, no fundo mesmo, ninguém tem uma afinidade muito grande com ninguém. Nós aprendemos a parecer, a gostar do mesmo que o outro gosta, a responder o que o outro quer ouvir, a responder aos estímulos que o outro produz. Pois no fundo o que queremos é namorar nós mesmos, queremos projetar no outro as nossas expectativas, imprimir a nossa configuração e, por fim, ler o enredo que escrevemos com as letras douradas da ilusão. Voltamos, pois, a idealização.

Ser compatível, como o próprio dicionário registra, é “conciliar, coexistir, suportar”, o que é totalmente possível quando se fala de amor. Esse é o discurso que precisa animar a juventude descrente das questões amorosas – um amor que faz coexistir a seta e o alvo, cada um com sua particularidade, com seu modo ser no mundo. Um amor que concilia, não apaga as diferenças, não esconde as arestas, não escamoteia as sobras e as faltas, os desacertos, que inclusive, integram a idéia do amor total, posto que ele é também um lugar de aprendizado. Para lidar bem com o outro é preciso lidar bem conosco primeiro. Como disse Drummond, é preciso trilhar a difícil, “dangerosíssima” viagem de si a si mesmo”, e prosseguir “descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de com-viver”. Dessa maneira, nos aproximamos do amor (em linguagem de dicionário) como “viva afeição que nos impele para o objeto dos nossos desejos”, que sabe conciliar, coexistir, por vezes suportar, enfim, com-viver.

2 comentários:

  1. Ai, credo... Não gostei de me ter identificado com esses "amores sem-jeito". Muitas vezes não acredito nas histórias ruíns que as pessoas contam.

    Bjos, preto!

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  2. Olha, adorei o seu texto!
    Como muitos, tb sofri por desamores.. e no fundo o que dá sempre errado é essa invasão que fazemos uns na vida dos outros, impondo-nos, quando deveríamos nos completar..
    Talvez o segredo seja ceder mas com personalidade, tendo a seu próprio estilo conservado..

    Bom.. falar é fácil ne! rs.. a Prática é mto mais dificil!

    Desejo-lhe sorte! (no amor, nos textos e na vida!) E, novamente, parabéns!
    Bjs!
    Laís

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